É de costume as pessoas mais intelectualizadas terem o hábito clichê de repudiar a televisão. Entretanto, essa recusa baseia-se em um medo difuso, não muito bem consolidado, tampouco objetivo. O receio que paira sobre as mentes abertas é de serem apanhadas pela pavorosa alienação. Mas pouco se reflete como um simples aparelho pode ser genitor de uma causa tão espúria e macabra. A teoria fundamenta-se no seguinte:
Desde seu surgimento, a televisão foi feita pela elite e para a elite. Sendo assim, os “donos” do aparelho elaboravam programações especificamente para seus semelhantes, tendo em vista o altíssimo valor dos equipamentos, somente acessíveis à minoria elitizada econômica e culturalmente.
O tempo passou, e o grande negócio incipiente não seria capaz de manter-se, lucrativamente, sem sua popularização. E assim foi feito. Em pouco tempo, a televisão já estava na maioria dos lares do “povo”. Contudo, a programação sofreu mudanças drásticas somente em sua superfície, mas não em seu fundamento; a televisão continuou com seu caráter elitista; o povo via, mas não [se] via nela. As mudanças “drásticas”, na realidade, foram pequenos ajustes que possibilitaram ao “Homer” (como é tratado o “povo” por alguns marajás da comunicação, fazendo referência ao estúpido personagem dos desenhos animados) compreender minimamente o que estava sendo difundido. Criaram-se as telenovelas: nada mais do que cenas do cotidiano da elite, ou de um povo elitizado. Um cotidiano distante (do grego tele – distante) da realidade do povo, mas ao mesmo tempo, suficientemente cativante.
Então, o que se vê na televisão, hoje em dia, são, predominantemente, as excentricidades da vida: empresários ultra bem-sucedidos como Bill Gates; os homens mais influentes [do mundo]; as mulheres mais belas [do mundo]; os melhores jogadores [do mundo]; os maiores criminosos [do mundo]; a rainha dos baixinhos; o rei do pop; o fenômeno disso, a revelação daquilo; e, até, as pessoas mais feias; mais gordas; mais magras; mais isso, menos aquilo; e etc. No entanto, a percepção humana não interpreta essas personalidades excêntricas como apenas fragmentos sendo difundidas através de um aparelho que as agrega. Mas sim as percebe como se todas estivessem em um espaço físico único e determinado. Ninguém diz: eu vi fulano no programa tal. Todos dizem: eu vi fulano na [TV]. E essa informação basta para que todos entendam o significado desse código. Todavia, é descartada totalmente a enorme diferença entre ver alguém no programa sensacionalista da emissora retardatária, e ver essa mesma pessoa no programa de entrevistas da emissora segmentada, mas nem por isso menos influente.
Alguém estar na TV é o mesmo que esse alguém estar imerso em um mundo fantástico: uma sala na qual dividem espaço Ronaldo, Gisele, Michael Jackson, Airton Sena, Bush e etc. É como ser convidado para uma festa que somente os melhores, mais importantes e mais influentes são convidados. Estar na TV é ser parte integrante do mundo dos poderosos; é ser também um poderoso. Por essa razão, a televisão exerce esse poder quase hipnótico nos telespectadores.
A elite, mantendo restrito o acesso a esse meio, torna gratificante o fato de se ser “selecionado” a integrá-lo. Devido a isso, as pessoas não cobram para terem sua imagem exposta. Estar sendo divulgado já é a maior recompensa que alguém pode obter. O status de estar na mesma tela que o presidente dos Estados Unidos, ter o mesmo enquadramento que Elvis, usar o mesmo tempo de fala de Maradona e todas as outras características que são idênticas a qualquer pessoa excêntrica veiculada na televisão não tem preço.
Tudo isso forma a periculosidade da televisão. Uma afirmação dada na TV traz consigo toda a reputação e credibilidade do Papa, de Raul Seixas, da Madre Teresa, Paulo Freire e de qualquer outra personalidade que já foi meticulosamente selecionada para integrar o rol dos “escolhidos”. Desta forma é que se cria a fascinação por aqueles e por aquilo que “aparece” na televisão. Por essa razão que até os mais sábios, após sessões de lavagem cerebral indireta, podem passar a admirar pessoas inseridas no padrão de beleza; achar marcas, modelos de veículos e roupas mais atraentes; e realmente acreditar na superioridade de certos produtos alimentícios.
O medo da alienação reside em nossa desconfiança em relação às nossas faculdade psíquicas que podem falhar ao discernir os fragmentos que inundam a tela do todo complexo que é a televisão. Qualquer um sabe que certo programa não merece credibilidade, entretanto podemos falhar em repudiar a pseudo-veracidade desse programa, devido a toda a carga de credibilidade que outros programas em certas épocas transmitiram.
O grande risco que a televisão representa à sanidade intelectual é a fácil substituição da parte pelo inteiro. Precisamos doutrinar nossa mente a reconhecer cada fragmento exposto como apenas um fragmento e nada mais que isso. Sem carga passada ou atributos agregados. Cada momento televisivo deve ser um momento iniciado e acabado nele mesmo, sem deixar resquícios ou margem a interpretações subsequentes ou adjacentes.
O trabalho de ourives até podermos, em segurança, subtrair algo de útil do instrumento doutrinário das elites é árduo. Então, pelo sim, pelo não, deixá-la desligada é a atitude mais prudente.